O avanço do neoliberalismo nas últimas décadas não apenas transformou as dinâmicas econômicas globais, mas também remodelou a subjetividade dos indivíduos, promovendo a insensibilização frente à desigualdade e à precarização da vida. Como aponta Wendy Brown (2015), o neoliberalismo não se restringe à economia, mas se infiltra na esfera social e política, convertendo todas as relações em termos de mercado e individualizando responsabilidades que antes eram coletivas. Esse processo resulta em um esvaziamento da solidariedade social e na naturalização das violências estruturais.Diante dessa conjuntura, a luta diária pela sobrevivência se sobrepõe à reflexão crítica sobre o contexto histórico e político.
Bourdieu (1998) argumenta que a precarização das condições de vida gera um estado de insegurança constante, no qual indivíduos se preocupam prioritariamente com sua manutenção material, como moradia e alimentação, em detrimento da participação política ou da mobilização coletiva. Esse cenário favorece a perpetuação de desigualdades e dificulta a construção de alternativas para a transformação social.No contexto latino-americano, a ditadura militar serviu como um mecanismo de implementação do neoliberalismo, conforme analisado por David Harvey (2007).
O golpe de 1973 no Chile, por exemplo, foi fundamental para a introdução das políticas neoliberais na região, com a imposição de um modelo econômico baseado na desregulamentação, privatização e enfraquecimento dos direitos sociais. Mesmo com o fim formal das ditaduras, muitos de seus resquícios permanecem, incluindo práticas discriminatórias, repressão a movimentos sociais e discursos violentos que justificam desigualdades estruturais (Caldeira, 2000).Atualmente, vivemos uma crise sistêmica que se manifesta em diversas áreas: econômica, política, ambiental e subjetiva. Essa crise não é apenas conjuntural, mas estrutural, e atinge os alicerces das democracias contemporâneas.
O impacto dessa crise também se reflete na saúde mental das pessoas, pois a sobrecarga emocional, a incerteza constante e a competitividade exacerbada promovidas pelo neoliberalismo intensificam o sofrimento psíquico (Han, 2017). Em um cenário de hiperprodutividade e autoexploração, os indivíduos são levados à exaustão, sem tempo para construir relações interpessoais saudáveis ou refletir sobre seu papel na sociedade.Diante desse panorama, há uma cobrança excessiva sobre a geração Z para que ela promova mudanças significativas, enquanto a geração millennial muitas vezes não se reconhece como referência para os mais jovens. No entanto, como aponta Paulo Freire (1996), a educação e o diálogo intergeracional são fundamentais para a conscientização crítica e a construção de uma sociedade mais justa.
Se a geração Z tem o desafio de lidar com um mundo hiperconectado e repleto de informações fragmentadas, a geração millennial precisa amadurecer seu papel e compreender que seu engajamento e exemplo podem fornecer caminhos para quem não teve acesso a uma formação histórica sólida ou a relações sociais menos atravessadas por dinâmicas violentas.
A superação desse ciclo exige um esforço coletivo para resgatar valores de solidariedade e ação política, compreendendo que a precarização da vida e o sofrimento psíquico não são meramente questões individuais, mas estruturais. Apenas ao reconhecer a interdependência das lutas sociais será possível construir alternativas que transcendam a lógica neoliberal e promovam formas mais humanas de existência.
Referências
BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1998.
BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente**. São Paulo: Politeia, 2019.
CALDEIRA, Teresa P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.
HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2007.