Sempre que me perguntam sobre assédio, eu digo que isso é mais comum no nosso dia a dia do que se imagina.A ideia de assédio está associada à ideia de abuso nas relações humanas, ou não respeito a determinados limites. Essa é uma ideia que trago bastante simples do que podemos entender como assédio na vida em geral.Como termo técnico, ou como termo jurídico, o assédio vai estar associado a relações de trabalho ou a relações escolares ou acadêmica.Aí temos o assédio moral, que vai se caracterizar por abusos nas relações de trabalho que envolvam o próprio trabalho ou a pessoa trabalhadora. Quando envolve o próprio trabalho, a gente pode localizar o abuso na extrapolação da carga horária, ou então no desenvolvimento de atividades para os quais a pessoa não foi contratada.
Quando envolve a pessoa trabalhadora, o assédio moral pode se dar quando essa pessoa recebe nomes pejorativos, ou é sempre alvo de piada, ou é excluída de atividades do trabalho de forma injustificada. No Direito, o assédio moral em não é um crime, mas, se, por exemplo, essas "piadas" forem de cunho homofóbico ou racista, aí poderá haver a configuração de crime de racismo. Apesar de não ser, em si, um crime, é um ato ilícito que pode gerar indenização por danos morais e, para quem é celetista, pode gerar configuração de outros direitos trabalhista. Para conseguirmos identificar, é necessário que haja repetição nos atos, ou seja, que a diminuição do reconhecimento da pessoa seja uma constanteO abuso nas relações de trabalho ou acadêmicas pode se configurar também, com um abuso de cunho sexual. Aí teremos assédio sexual, que é um crime e, para ser reconhecido, não é necessário que haja repetição de atos, mas, sim, que a pessoa que pratique seja um superior hierárquico no trabalho ou na escola ou universidade. É o caso de comentários sexuais sobre a roupa da pessoa trabalhadora ou toques indevidos no corpo de uma aluna. Se não for superior hierárquico, mas existir um abuso de cunho sexual, o crime não é de assédio sexual, mas pode ser de importunação sexual ou de estupro.Esses abusos, como eu mencionei no início, se referem a formas de tratamento entre as pessoas em que uma ou ambas ultrapassam os limites do consenso, tácito ou expresso, havido entre previamente entre ambas ou estabelecido em algum contrato de trabalho ou acordo educacional.A falta de transparência nos acordos é sempre um problema porque a falta de limites daquela relação podem causar conflitos.
Há algo no nosso trabalho, como docentes de universidade pública, que sempre destaco: carga horária. A nossa carga horária é determinada legalmente e há muitas brincadeiras e memes de como os professores avançam e muito além da sua carga horária para dar conta de seu trabalho. Apesar de isso ser tratado de uma forma engraçado, essa ultrapassagem nos limites custa tempo de descanso, tempo de família, tempo de lazer, tempo de saúde, tempo para a vida. Por exemplo, há designações de atividades administrativas que não recebemos qual será a carga horária. Geralmente são comissões para resolver alguma coisa. E é lógico que a gente faz, é lógico que a gente trabalha, mas esse trabalho está fora da nossa carga horária porque nem carga horária recebemos para isso. É trabalho voluntário? Hmm... não. É somente o nosso trabalho, cujos limites não estão bem estabelecidos. Mas fazemos porque acreditamos no nosso trabalho, então quase que fazemos isso infinitamente, adentrando madrugadas e final de semana.Algumas pessoas romantizam isso, mas isso não é saudável. E isso pode configurar o que chamamos de assédio organizacional, onde os limites dos nossos trabalhos não estão bem estabelecidos, trabalhamso além da carga horária, e, se não trabalharmos, podemos sofrer algum tipo de sanção por isso.Um exemplo de como as coisas assim estão naturalizadas:No dia em que meu pai faleceu eu recebi uma ligação do trabalho. Achei que fosse para prestar condolências, mas era para convidar para desenvolver uma pesquisa, sem carga horária ou remuneração. Informei sobre meu luto e, mesmo assim, ouvi o reforço de que aquela oportunidade iria terminar há 10 dias e que eu não poderia perder.Já foi mais, mas ainda é comum eu receber convites para palestras, ou cursos, ou consultorias, sem o devido reconhecimento de que aquilo é um trabalho.
E como se reconhece isso? Podemos começar com um convite formal, adequado, informando devidamente o formato do serviço a ser prestado, com a carga horária devida e com dia e hora previamente designados ou, ainda, com sugestões de dias possíveis. Se eu tenho agenda, ok; se não, informo que ficamos para uma próxima.
Mas o que ainda ocorre é uma comunicação muitas vezes informal sobre "tens interesse em participar de algo". Não estou indo informalmente, como uma familiar, a amiga, que brinca e etc. e que vou me divertir; estou indo para trabalhar e a gente leva o trabalho muito a sério.E a gente vai perceber que o assédio organizacional tem algum feixe de início quando a importância do nosso trabalho e do nosso tempo não é levado a sério, pela gente mesma ou pela outra pessoa. E eu sei que muitas pessoas levam a sério o próprio trabalho, mas ficam com medo de se impor. daí tu não se impõe, a outra pessoa não respeita o seu trabalho, e olha você sofrendo de burnout, achando que ia salvar o mundo e na verdade não salvou a própria saúde.É óbvio que não to falando isso contra o trabalho; estou falando isso porque as pessoas perderam a mão sobre como se relacionar umas com as outras, especialmente no que se refere a limites de trabalho.O que eu sinto é que as pessoas estão sem referências de tempo e de ordem de prioridade nas suas vidas. Estão perdendo mandando mensagens de madrugada, estão dando valor pra coisas que não vai levar a lugar nenhum ou vai deteriorar as relações que tem. Estão enviando mensagens sem sentido em horários fora do trabalho, te convidando para participar de trabalhos como se fossem sua obrigação - e não é.Parece que as pessoas estão sem referência de que elas próprias precisam de tempo para descansar, para refletir, para digerir toda essa instabilidade que estamos vivendo. Se tu não para para refletir, tu não consegue ver o quanto de abuso, no geral, as pessoas praticam diariamente e como isso é mais comum do que a gente imagina. Pode ser em medidas pequenas, que não configure um crime ou um ato ilícito, mas que afeta negativamente a saúde de todo mundo.