Neoliberalismo como Fuga da Realidade

No neoliberalismo, a linguagem que molda a subjetivação das pessoas é marcada por termos e discursos que transformam indivíduos em empreendedores de si mesmos. Algumas características centrais dessa linguagem incluem:  
1. Autogestão e responsabilização individual – A ideia de que cada pessoa é a única responsável por seu sucesso ou fracasso, deslocando para o indivíduo o peso de fatores estruturais como desigualdade social e acesso a direitos.  
2. Performatividade e produtividade – A valorização da eficiência, da alta performance e da constante melhora pessoal, como se a vida fosse um projeto empresarial que precisa gerar resultados.  
3. Meritocracia e competitividade – O discurso de que o mérito individual define quem avança, mascarando desigualdades e incentivando uma competição permanente, até mesmo nas relações interpessoais.  
4. Bem-estar como investimento – O cuidado consigo (saúde mental, autoajuda, mindfulness) é colocado como uma ferramenta para aumentar a produtividade, e não como um direito ou um espaço de resistência ao esgotamento.  
5. Gestão emocional e positividade tóxica – Emoções como tristeza ou raiva são vistas como falhas individuais, enquanto otimismo e resiliência são vendidas como obrigatórias para “vencer” na vida.  
6. Capital humano e marca pessoal – A subjetividade é moldada para que cada pessoa se veja como um produto no mercado, com necessidade de autopromoção e marketing pessoal constantes, inclusive nas redes sociais.  
Isso tudo forma um sujeito neoliberal que, ao invés de questionar as estruturas, se adapta e se autocobra sem limites, tentando encontrar soluções individuais para problemas coletivos.  
 
Essa subjetivação neoliberal pode ser interpretada como um mecanismo de fuga, funcionando tanto como escapismo psicológico quanto como um dispositivo de sobrevivência dentro de um sistema que exige constante adaptação.  

O discurso do “empreendedor de si” e da “positividade” muitas vezes funciona como uma forma de negação da realidade social. Ele cria uma bolha na qual o indivíduo pode acreditar que basta “fazer por onde” para vencer, ignorando desigualdades estruturais. Esse processo pode ser lido como um mecanismo de defesa, parecido com o que Freud descreveu na repressão: o sujeito afasta a angústia de perceber a precariedade das condições reais e se refugia em uma narrativa de controle e progresso pessoal.  

Aqui entram algumas formas de escapismo:
 - Autoajuda e coaching extremo → “Basta mudar sua mentalidade para mudar sua vida!”  
- Workaholism (vício no trabalho) → O trabalho não só paga as contas, mas define a identidade do sujeito.  
- Espiritualidade empresarial → O sucesso vira um propósito quase transcendental, levando a práticas como mindfulness mercantilizado e a busca por gurus da produtividade.  
- Estetização da vida e performance nas redes sociais → A criação de uma “marca pessoal” nas redes se torna um refúgio para não lidar com o esgotamento real.  

 Por outro lado, para muita gente, essa forma de subjetivação não é uma escolha, mas sim um modo de sobreviver a um sistema que pune quem não se encaixa. Num mundo onde não há garantias de seguridade social, o neoliberalismo empurra o sujeito para um estado de constante adaptação, onde ele precisa se vender, se reinventar e estar sempre disponível.  

Esse processo gera:
- Ansiedade de performance → O medo de "ficar para trás" força a hiperprodutividade.  
- Burnout crônico → A subjetividade moldada pela lógica neoliberal não sabe descansar, porque o descanso é visto como improdutivo.  
- Culpa internalizada → Se a pessoa falha, a culpa não é do sistema, mas dela mesma (“eu não me esforcei o suficiente”).  

Enquanto o discurso neoliberal promete liberdade e autonomia, na prática ele aprofunda desigualdades, porque nem todo mundo parte do mesmo lugar:
- O sujeito periférico, racializado, com deficiência ou pertencente a uma classe social precarizada não tem as mesmas condições de entrar no jogo do "sucesso individual".  
- O foco na meritocracia invisibiliza barreiras institucionais e históricas, reforçando a exclusão social. - A individualização dos problemas sociais impede a organização coletiva para mudanças estruturais.  

No fundo, essa subjetividade funciona como um véu ideológico que impede o sujeito de perceber sua própria opressão e o faz buscar saídas individuais para crises que são sistêmicas.  

Dá pra pensar essa subjetivação como uma forma contemporânea do que Marx chamaria de alienação, mas agora não apenas no trabalho, e sim na própria forma como o sujeito se entende e se relaciona com o mundo.