Dominação e Assimetria de Gênero

O que ocorre quando características como assertividade e competitividade, simbolicamente reconhecidas como masculinas, tornam-se as qualidades esperadas em um espaço profissional? 

Esse fenômeno é conhecido como masculinização da profissão. Ele surge a partir de normas sociais que historicamente associam o sucesso em muitas profissões a atributos considerados masculinos, como agressividade e foco nos resultados. Essa ideia é descrita pela professora Lígia Amâncio (1997) como “dominação simbólica masculina”.Quando a masculinização da profissão acontece, essas qualidades passam a ser exigidas de todas as pessoas naquele espaço, inclusive das mulheres. É uma contradição notável: enquanto valores tradicionalmente femininos são atribuídos às mulheres, espera-se que elas adotem um comportamento “masculino” em suas atividades profissionais. 


Isso resulta na desvalorização de outras abordagens, como formas mais relacionais de comunicação e o foco no processo, que também são fundamentais no meio profissional. Para serem aceitas e reconhecidas, muitas mulheres acabam adotando estilos de comunicação mais diretos, priorizando resultados tangíveis e, muitas vezes, negligenciando as relações interpessoais, reproduzindo, assim, posturas tradicionalmente associadas ao masculino.Embora essa estratégia possa trazer vantagens imediatas, ela também gera desafios significativos. Muitas mulheres relatam sentir uma perda de autenticidade e uma desconexão de suas identidades pessoais, que desde cedo foram subjetivadas para valorizar relações afetivas significativas. Além disso, há um aumento do estresse devido à necessidade de se adequar a padrões masculinistas. 


Essa adaptação pode levar à perda de características valiosas no ambiente de trabalho, tal qual a cooperação e o foco no processo, frequentemente desconsideradas em um contexto patriarcal. Em um espaço que privilegia predominantemente a "energia masculina", as mulheres podem até se destacar, mas muitas vezes à custa de terem que adotar características ou posturas que vão desde padrões excludentes até atitudes de submissão e passividade.Ocupar espaços é, sem dúvida, importante, mas é essencial questionar quais são esses espaços e qual o custo para ocupá-los. 


O que será exigido para que uma mulher possa assumir esses espaços? Ocupar espaços não é suficiente para combater a desigualdade de gênero. É urgente transformar a mentalidade que associa qualidades humanas a gêneros específicos. Somente a partir dessa mudança será possível construir ambientes mais inclusivos, onde todas as pessoas possam ser reconhecidas por suas habilidades e características únicas, sem a necessidade de se conformar a estereótipos limitantes.


Por conta desses estereótipos limitantes, observa-se atualmente mulheres defendendo a ideia de que não deveriam ou não precisariam trabalhar formalmente, limitando-se a atividades informais no ambiente doméstico. 

Seus argumentos giram em torno da sobrecarga gerada pela combinação do trabalho profissional e das responsabilidades domésticas, atribuindo a culpa dessa situação ao feminismo. No entanto, essa perspectiva é falha: a sobrecarga ocorre devido ao desequilíbrio na divisão do trabalho. Mesmo com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, muitos homens continuam a não assumir tarefas domésticas e de cuidado, permanecendo em uma postura infantilizada e de superioridade, como se fossem eternamente "o bebê, a majestade" (Freud, 1914).As mulheres são frequentemente compelidas a adotar características consideradas masculinas no mercado de trabalho, como assertividade e competitividade, enquanto os homens raramente assumem características tradicionalmente associadas ao feminino, como colaboração, empatia e sensibilidade. 


Esse cenário reflete uma atrofia no desenvolvimento humano e emocional de muitos homens.Além disso, há uma relação de codependência evidente: todo o trabalho de manutenção da vida material do homem e da família, no âmbito doméstico, é delegado à mulher, enquanto ele fornece a provisão financeira, criando a aparência de um acordo equilibrado. Contudo, em um contexto capitalista, quem detém mais poder nessa relação? Consideremos, por exemplo, os inúmeros casos observados em clínicas e escritórios. Imagine uma mulher que dedicou 20 ou 30 anos de sua vida a ser a principal responsável pelas tarefas domésticas e pelo cuidado de seu marido e filhos. 


Em caso de divórcio, quais serão suas possibilidades de autonomia e independência? Como ela poderá reconstruir sua vida em termos financeiros, profissionais e emocionais? Essa reflexão evidencia a desigualdade e a vulnerabilidade criadas por uma divisão de papéis tão assimétrica.